domingo, 26 de outubro de 2008

6 anos

Quando fiz meus 6 anos fui mandado para uma escolinha. Lembro-me do primeiro dia de aula: Fui colocado em uma sala que deveria ter umas 40 crianças, eu era o único da sala que tinha lancheira, cabelo liso e caderno com capa colorida. Meu caderno era o único com desenho na capa, o do resto da turma era capa azul escura ou vermelha, e eu lá com o Pato Donald me desejando boa aula. As crianças olhavam pra mim com cara de ódio. Um garotinho de joelho esfolado e sem dente me falou algo que não me lembro o que foi só sei que me fez chorar pra caramba. Enquanto eu chorava o resto da turma ria e me tacava bolinha de papel. Tive que mudar de classe e de caderno. No outro dia eu não queria voltar pra escola de jeito nenhum, o que me convenceu a voltar foi a coisa cor de rosa que eu comi na hora do recreio. Até hoje tenho medo de saber o que era aquilo.

A vida era muito cruel no parquinho, eu era sempre o ultimo a poder brincar no balanço, e normalmente quando chegava a minha vez, a professora vinha buscar a turma para voltar para a sala de aula. E lá ia eu, cabisbaixo, imaginando como devia ser divertido me balançar, ir no gira-gira, escorregador. A única diversão que eu tinha era ficar sentado no tanque de areia fazendo castelinhos para as outras crianças pisarem. Já que eu não podia brincar, eu resolvi me dedicar aos estudos, e como é dura a vida no jardim da infância: desenhar círculos, pintá-los de cores diferentes, passar o lápis por cima de uma linha pontilhada... mas eu me dediquei, e em pouco tempo eu era o melhor da turma. Ninguém desenhava bolinhas como eu, e as cores que eu escolhia para pintá-las, incrível! Quanto mais eu me destacava nas atividades, mais eu conseguia afastar as outras crianças de mim, todos queria matar o gordinho desajeitado que era o queridinho da professora.

Meu primeiro amigo no jardim de infância foi uma garoto chamado Luciano, o Luciano era ruivo, dentuço e usava óculos fundo de garrafa, ele era o único cara que ria do que eu falava. Alem disso ele me dava metade do pão com presunto dele sem pedir nenhuma bolacha minha em troca, esse tipo de atitude me levou a promover logo o Luciano ao status de melhor amigo. Melhor e único até aquele momento.

Minha amizade com o Luciano era uma maravilha, nós ficávamos o recreio todo sentado em uma mureta vendo as crianças brincarem e torcendo para a Ana Maria vir falar com a gente. Ana Maria era a garotinha loira de cabelos encaracolados e sandália cor-de-rosa, era a flor mais bonita do jardim de infância, todo dia a Ana Maria brigava com um menino diferente que havia puxado o cabelo dela, o meu sonho e o do Luciano era um dia poder puxar o cabelo dela, interessante como os garotinhos de 6 anos demonstram que estão apaixonados por uma garota, com certeza uma herança que trazemos de nossos antepassados das cavernas.

Um dia a Ana Maria viu que eu e o Luciano estávamos comendo um biscoito recheado que havia acabado de ser lançado e veio pedir um para nós. A garota de nossos sonhos ali, na nossa frente, querendo o nosso biscoito... Luciano tomou o pacote de bolachas da minha mão e deu inteirinho pra Ana Maria, que sorrindo nos chamou de bobos, virou as costas e saiu andando. Foi quando Luciano viu ali a oportunidade de satisfazer seu fetiche. Com as duas mãos e com toda força que um garoto raquítico de 6 anos tem, ele grudou no cabelo dourado de Ana Maria e a levou até o chão, essa cena passa em slow motion até hoje em minha memória. Com Ana Maria no chão, as bolachinhas redondas rolando pelo pátio, os garotos da gangorra rindo da pobre loirinha, eu não tive outra escolha senão dar um tapa desajeitado na cabeça de Luciano, que fez seus óculos encontrarem o chão de areia. Ali nascia um mito, o do gordinho defensor das meninas, hoje passado alguns anos eu posso revelar que a minha raiva não foi pela estupidez de meu amigo ruivo, mas sim pelo fato dele ter dado minhas bolachas para uma garota, o pacote tava no começo, eu devia ter comido no máximo uns dois biscoitos.

No outro dia as meninas vinham todas conversar comigo, elas ficavam ao meu lado no intervalo, traziam lanches e Ana Maria virou minha melhor amiga e a minha primeira “namorada que não ficou sabendo que era minha namorada”.

Tudo ia muito bem, eu e Ana Maria, Ana Maria e eu. Desenhavamos juntos, brincavamos juntos, sentavamos juntos na sala de aula, pode-se dizer que eu era um garotinho feliz, a escola era feia, os meninos eram feios, até a professora era feia, mas tudo fica menos feio com uma loira do lado!
Ia se aproximando o mês de junho e a época de festas juninas. Foram separados os parzinhos para a dança de quadrilha e havia na sala um menino a mais do que menina, adivinha quem ficou sem par? Isso mesmo, eu!

Logo na minha primeira quadrilha eu não tinha par, e o pior: Ana Maria ia ser a noiva da quadrilha, adivinha com quem? Acertou de novo, o Luciano.
A professora resolveu logo o problema de eu não ter par nenhum para dançar, haveria uma encenação de casamento e eu faria um dos papeis principais, o padre!
No dia da apresentação lá estava eu, de padre, celebrando o casamento de meu ex-melhor amigo com o amor de minha vida. Durante a encenação uma lágrima correu por minha face, eu não podia acreditar em que meus olhos contemplavam. No final da encenação os casaizinhos foram sendo formados e todos saíram pra dançar, todos atrás de minha amada Ana Maria casada com meu ex-melhor amigo Luciano. Aquela quadrilha parecia ter sido escrita por Nelson Rodrigues!

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