segunda-feira, 14 de julho de 2008

O óbvio Bernardo

O cheiro suave de perfume invadiu a repartição, todos levantaram os olhos na busca do dono daquele cheiro agradável. Henrique atravessa o corredor central que divide duas fileiras de computadores e entra na sala de Dr Duarte no fim do corredor. Henrique era um moço alto, cabelos aloirados, porte elegante e um perfume que permanecia no ar mesmo depois de alguns minutos de ausência. A conversa na sala do chefe não dura nem 5 minutos e Henrique sai sorridente, sendo seguido pelo mandatário. Dirigem-se até a mesa de Bernardo, um jovem ruivo e tímido, óculos de lentes grossas e um rascunho de cavanhaque, cabelo sem corte e camisa xadrez com uma camiseta branca por baixo. Dr Duarte os apresenta:

- Bernardo, esse é o Henrique e a partir de agora ele vai trabalhar com você. No começo ele vai ter um pouco de dificuldade, mas espero que você possa ensinar e ter muita paciência, eu tenho certeza que você é a pessoa certa pra auxiliar o Henrique.

O rosto de Bernardo se corou, apertaram as mãos e se sentaram lado a lado, durante toda à tarde Bernardo ensinou o básico para Henrique, que atentamente procurava anotar em um bloquinho cada instrução dada. Foram almoçar juntos naquele dia e no fim daquela semana já pareciam amigos de infância, tamanho era o entrosamento entre eles. A empresa de promoções de eventos passava por uma reformulação, muita gente já havia sido demitida e Henrique era o primeiro novo rosto que aparecia por lá nas ultimas semanas.

O tempo vai passando, muita gente vai saindo da empresa, poucos rostos vão sendo colocados no lugar. Bernardo se preocupava a cada corte, mas Henrique sempre dizia que ele não seria cortado por razões óbvias. Ele nem imaginava o que seria de tão óbvio em sua permanência na empresa, mas como isso o estava garantindo entre o quadro de funcionários devia ser algo bom, talvez sua competência, ou até mesmo a timidez, sendo tímido ele não se envolvia em discussões, em fofocas... é deve ser isso, tem que ser isso!

Na próxima quarta feira, faria um mês que Henrique havia sido contratado, e ele queria comemorar o novo emprego e as novas amizades que estava fazendo nessa empreitada. Por isso convidou Bernardo para uma festa no sábado, comemoração simples, iriam a um bar que Henrique costumava freqüentar e que, com certeza, Bernardo ia adorar. Logo que foi convidado, a primeira reação de Bernardo foi recusar, não estava acostumado a ir a bares, não se sentiria à vontade, coisa de gente tímida. Mas de tanto Henrique insistir ele resolveu aceitar.

No sábado Bernardo ficou pensando o dia inteiro em uma desculpa para não ir ao bar, mas o tempo foi passando, ele foi se acostumando com a idéia, e às 8 da noite estava sentado na sala, banho tomado, roupa nova, gel no cabelo, pensando que talvez naquela noite ele poderia conhecer a mulher de sua vida, seus pensamentos foram logo interrompidos pela freada brusca e a busina do carro de Henrique. Pediu a benção pra mãe, que com cara feia resmungou alguma coisa, passou a mão na chave de casa e partiu para a noite que poderia mudar sua vida.
A animação de Bernardo era surpreendente, ele cantava, ria, colocava a cabeça pra fora da janela e mexia com os pedestres e os outros carros... realmente aquela noite iria mudar sua vida!

Na chegada ao bar, Bernardo começou a estranhar o ambiente, não pelas luzes que piscavam acompanhando suas batidas do coração, nem pela fumaça colorida que embaçava seus óculos, muito menos pelo som eletrônico em uma altura ensurdecedora, tudo aquilo ele já imaginava. O que incomodava um pouco Bernardo era a presença maciça de homens no local, ainda não havia cruzado com nenhuma garota, com certeza não seria ali que ele encontraria a mulher de sua vida. Logo na entrada ficou por uma fração de segundos paralisado e estarrecido com o bigodudo musculoso que dava um beijo apaixonado em um negão de fio-dental.

Demorou pra cair na real e quando caiu teve vontade de chorar, se encolher em um canto e ligar pra casa pedindo socorro. Henrique percebeu o desconforto do amigo e tentou dar um jeito na situação, “agora é só se soltar e deixar a noite rolar, se quiser conhecer alguém é só me falar que aqui eu conheço todo mundo!”

Bernardo olhou bem nos olhos de Henrique, e este soltou uma pergunta que veio como uma bala de calibre 12 bem no meio de sua testa:
- Ué, vai me dizer que você não é?
- Não sou o que? Ou melhor, vai me dizer que você é?
- O que? Como assim? Você tem todo jeitão!
Aquilo era demais pra Bernardo, agora sim ele iria chorar. Mas antes de dizer qualquer coisa, um senhor gordo e careca vestido de noiva, com buquê e tudo se aproximou cumprimentando os dois com um beijinho no rosto. Bernardo sorriu timidamente e apenas sorriu para a noiva, ou melhor Dr Duarte.

Sim, ele mesmo, o elegante e sisudo senhor que mal olhava para sua cara durante a semana agora o saldava com dois beijinhos na bochecha e brincava jogando o buquê para ele segurar. Tô querendo arranjar um noivo hoje, gritava o chefe em meio a gargalhadas.

Enquanto pensava em sua mãe, que devia estar enfartando nesse momento com pressentimento de onde o filho estava, um outro pensamento entrou como uma linha cruzada em sua mente. Isso era o “óbvio” que o segurava no emprego. Dr Duarte era gay, Henrique era gay e ele começava a ver a sua volta alguns de seus novos companheiros de trabalho. Todos eles achando que ele também era gay!

A noite foi longa, parecia interminável, Bernardo passou o tempo todo sentado em sua mesa, culpando a timidez pelo fato de não se levantar pra dançar. De vez em quando Henrique vinha até a mesa e dava uma piscadela seguida de um sorriso. Bernardo ficou a noite inteira na mesma cadeira, no mesmo canto, quase na mesma posição, não bebeu com medo de ficar bêbado e se tornar presa fácil, estava doido pra urinar, mas nem doido ele iria entra em um banheiro que tinha na porta a inscrição “Welcome to Sodoma!”.

Finalmente a noite acabou, à volta para a casa não foi tão animada. Bernardo não dizia nada e Henrique de vez em quando ria sozinho, olhando para a cara apavorada do amigo. Quando se despediram na porta da casa de Bernardo, Henrique olhou para ele e disse: Faz assim, isso fica sendo um segredo nosso. Bernardo apenas acenou que sim com a cabeça.

Segunda feira tudo normal, Dr Duarte de terno e gravata foi o ultimo a chegar na empresa, logo chegou a noticia que mais três funcionários haviam sido demitidos, agora Bernardo era o último de sua época na empresa. Depois do almoço foi convocada uma reunião de ultima hora na sala do chefe. Todos novos funcionários estavam lá, Bernardo olhava na cara de cada um dos quase 20 novos colegas, tava todo mundo na festa do fim de semana. Foi nessa reunião que Dr Duarte explicou os novos rumos da empresa, agora uma promotora de eventos GLS, com um quadro de funcionários com identificação total com o ramo de atuação. O salário de cada um teve um considerável aumento, o que impediu Bernardo de se revelar e pedir demissão. A vontade de Bernardo era sair logo do armário e dizer a todos que era hetero, e que não se importava com o que o mundo iria achar disso, mas com um belo salário era melhor continuar no papel da menina tímida que não vai em festas.

Trabalhar ao som de Mariah Carey e Wanessa Camargo não é tão ruim. A decoração do novo escritório era até interessante, pelúcia rosa na cadeira causou estranhamento no começo, mas agora ele tinha até acostumado. Atender ao telefone dizendo “Produções Fora do Armário bom dia” era até engraçado. Mas o que incomodava mesmo era não saber o por que era tão óbvio ele se encaixar no perfil da empresa.

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