Urubus Metálicos

Cinco e meia da tarde em São Paulo, o dia começa a se despedir de todos, no horizonte a noite começa a querer tomar seu lugar. Os ônibus começam a lotar, o transito a parar. O camelô já nem grita mais, nas calçadas passos acelerados, encontrões, empurrões. Nos escritórios abarrotados de documentos e papeladas inúteis o relógio parece ser o que tem mais preguiça. De repente um barulho do lado de fora da janela, o ruído que antes assustava agora já não chega a incomodar. Estamos acostumados.

Ele olha para se certificar se é isso mesmo, lá estão eles, sobrevoando pelos céus, quase se chocando, cruzando a cidade, nos espiando lá de cima, nos analisando, esperando um de nós cair morto, buscando a violência, farejando sangue, procurando por desgraças, acidentes. Em São Paulo a impressão é que os problemas começam a acontecer na hora do telejornal. Hoje não choveu, então não tem enchente pra mostrar. Precisamos de outra tragédia. Qual será o crime do dia, quem será o criminoso que vai se tornar celebridade?

Urubus metálicos sobrevoando sobre as nossas cabeças! Somos vigiados, acuados, encurralados. Começa a preocupação: E se cismarem comigo? E se eles estiverem me filmando? E se eu for suspeito de algo?

Sai do escritório, olha para o alto e lá esta ele, xeretando com suas lentes de ultima geração. Procura não ligar, disfarça, pensa que não é com ele, mas a insistência em lhe fitar o incomoda. A esta hora meu julgamento deve estar sendo ao vivo. Minha mãe em casa acompanhando apreensiva o jornalista dizer: “Lá vai ele, até parece um cidadão comum, nem imagina que estamos o acompanhando, a qualquer momento a policia deve chegar.” Mas eu não fiz nada! Assaltante, seqüestrador, estuprador, maníaco... qual será o meu rótulo?

Desabotoa o colarinho da camisa, afrouxa a gravata, o suor escorre pela testa e chega aos seus olhos, anda mais rápido, quase uma marcha, as pessoas ao seu lado olham pra cima acompanhando com espanto os olhos do predador, só ele não consegue encará-lo. O desespero começa a atordoar, ele quer correr, fugir, se esconder. Por que ele não procura outra presa? Por que tem que ser eu? Será que isso tudo é loucura da minha cabeça? Acho que tenho que parar de assistir estes jornais, isso tá mexendo comigo.

Sem perceber já esta correndo, vai trombando as pessoas na calçada, elas o olham assustadas sem saber que o mais apavorado é ele. O barulho da hélice parece mais próximo, uma sirene é ouvida a distância, as pessoas agora começam a gritar e apontar. Se eu parar com certeza serei surrado por todos. O moço de terno que apresenta o jornal deve estar suando, gritando, rouco, me chamando de canalha, de bandido, de escória da sociedade, o governo passa a ser tão culpado quanto eu, mas culpado de que?

O celular toca, e ele o lança fora sem ver o número. Querem negociar minha rendição, querem que eu fale com minha mãe, meu chefe, o governador. Nas alturas mais duas aves se juntam a primeira. Já perceberam que não vou muito longe. Passando por uma loja de televisores vê de relance sua figura correndo na tela de uma 29 polegadas colorida. Agora todos gritam e desviam, as ruas estão fechadas. Sua vida passa pelos seus olhos, ele se lembra da mulher que não amou, dos filhos que não teve, dos amigos, poucos amigos que deixou. Entra por uma rua e atrás dele um carro de policia em disparada. A sua frente um viaduto...

Minha salvação, puxo o fôlego de onde não tenho, corro como nunca, o carro de polícia se aproximando, chego até a mureta do viaduto e pulo.
Antes de tudo acabar olho fixamente para meu inimigo, suspenso e surpreso no ar, pode saborear agora a minha morte!

Todos assistem assombrados o fim da perseguição, o repórter com a voz embargada tenta dar uma explicação sobre aquilo, “Começamos a segui-lo na esperança de saber o por que ele corria. Afinal de contas de quem ele fugia? O que leva um homem trabalhador e honesto sair em disparada para encontrar a morte? Tenha uma boa noite, voltamos amanhã mostrando a realidade desta grande cidade. Em São Paulo 19 horas.”
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